sexta-feira, 20 de abril de 2012

Lilases

1.

Lilases
impessoais
transfigurados
atirados sobre a terra
sem memória
esquecidos.
Raízes se movem
sob o solo.
Nenhum inverno arrancará
as sementes de seu seio.
Permanecerão imóveis
esperando a primavera.

2.

Minha sombra dá longos passos atrás de mim.
Não espero mais encontrar-te ao acaso pelas ruas.
Não acendo mais a lareira
para aquecer o quarto
e encolho-me de frio
sem luz
sem qualquer motivo.
Não tenho medo.
Tudo que conheci foi-se no pó.
Atravesso as ruas em diagonal
para não me surpreender com ninguém
na contramão.


3.

Teu coração espreita o silêncio.
Bate lentamente, enquanto a tarde se arrasta,
porque nada esperamos
para daqui à meia hora.
O que vier, será novo.
E o que restar, terá sobrevivido.


4.

As pérolas eram os teus olhos, veja
como deslizam sobre o pano úmido.
Sempre que vieres,
será como a primeira vez.
Nada será igual a este momento.
Nada se repetirá.



5.

Deves temer a morte na água.
A água vem e te cobre.
Verás teu ser se dissolver
e serás parte do oceano.
Quantas flores umedecerás
quantos potes transbordarás sem cuidado.
Teme a água
como teu quinto elemento.
Teu inimigo dentro de ti.


6.

Multidões caminham em círculo
e eu me apaziguo em te ver contra a janela
olhando a multidão que passa.
Tudo passa sob nossos olhos incrédulos.
Moldamos nossas faces
com o sal que restou das vazantes.
Tens outro rosto agora.
Revisito-te como um desconhecido
diante de máscaras mortuárias.


7.

Cidade
que realidade te criou
no ventre aberto
de tua mãe morta?
Cidade submersa na neblina –
um inferno de poeira e ressentimento.


8.

Jogam xadrez
as peças caem sobre o tabuleiro.
A rainha visita o rei
e o rouxinol rompe o deserto
com seu canto.
Ela se debruça sobre ele
e sussurra-lhe ao ouvido:
– Ouve-me, querido,
serei tua escrava, se fores meu amigo.
O silêncio se refaz e a treva se molda
sob os assentos de mármore.
Passos se arrastam e carregam
os mortos consigo.
Tudo está feito e nada se sabe.
As palavras se fundem novamente
cerrando olhares que se entrecruzam
e movendo as mãos
sob o manto imóvel.


9.

Fala comigo.
Eu preciso que fales comigo.
Fica comigo e não duvides de mim.
Fala comigo.
Eu serei teu amigo
e nunca te abandonarei.


10.

O vento passa sob nossas portas fechadas.
e não me lembro de nada.
Lembrar-me de quê?
O que eu me lembrar
ainda fará parte de minha alma.
E esta alma não será minha
enquanto tiver de me lembrar
de qualquer coisa.


11.

Que faremos amanhã?
Que faremos em qualquer dia
daqui por diante?
Todos os dias serão iguais
e não teremos certeza de nada.
Pensaremos que somos os mesmos
e não saberemos o que fazer.
Estaremos atados à mesma árvore
que se move ao vento.
Jogamos xadrez
enquanto ninguém vem bater à porta.


12.

O fogo não nos aquece.
Nossas mãos esfriam
assim que chegam as notícias.
Nada novo, tudo igual.
Ouvimos até o fim
as novidades.
Para que tanta algazarra?
O que queríamos que fosse?
Quando menos se espera, os diques se rompem
e as águas voltam a fluir como antes.
As margens inundam-se novamente,
cortando a terra por onde
andávamos.


13.

Irreal
a cidade avança sobre a planície.
Antes tivéssemos ouvido
o canto dos rios
andado descalços
sobre as fendas
bailado
como déspotas esclarecidos.
Seremos sempre aqueles
que trazem as novas,
os que buscam
sem encontrar.
Estaremos sempre buscando
e não precisaremos encontrar nada.


14.

Lavamos os pés
e nos abaixamos para pegar os sapatos.
A água estava fria.
Olhamo-nos e rimos,
porque nunca havíamos feito isso antes.
Cúmplices,
continuamos caminhando
de volta para casa.


15.

Olho para fora enquanto espero.
O coração palpita enquanto caminho
contra as pessoas que passam.
Arrumo os papéis sobre a mesa,
coloco os livros de volta na estante,
empilho as xícaras de café
para lavá-las depois.
À janela, olho perigosamente para fora
e vejo um último raio de sol
refletindo do outro lado do edifício.
Observei tudo e esperei.


16.

Também esperei que viesses.
Poderia ser cedo ou tarde demais,
mas não importava.
Sentei-me no sofá
junto à janela
e lancei um último beijo
no corredor sem luz.



17.

Volto-me e olho-me novamente ao espelho.
Recomponho o cabelo com as mãos
e apago as marcas do rosto.
Eu fui o que fui, porque quis,
mas não preciso carregá-lo comigo.
Esquece.


18.

Deslizo ao teu lado sobre as águas.
Deslizo sobre teu peito como vento.
Deslizo e apago meu nome das areias.
Desço do elefante
e passeio à beira d’água.
Às vezes, me esqueço de ti,
às vezes, te ouço.
Estou ao teu lado, mesmo aqui.


19.

O rio corre.
Estamos à popa,
os cabelos revoltos
a olhar o cais que se afasta.
Deixamos para trás as casas,
as vozes,
as mesmices de sempre
perdidas na distância,
que nos afasta do cais.


20.

O que estava aqui agora não está.
É preciso paciência para estarmos vivos,
a dormência a desfiar
o mesmo novelo de antes.
Nada mais existe, somente a espera.
A espera e outra longa caminhada pela frente.
Paramos entre as árvores
e ouvimos a água correr,
cortando o silêncio.


21.

O que passa deixa rastros,
o que passa deixa marcas,
suspiros, antes de nos envolvermos
com cartas,
papéis, mantas, traços, riscos,
palavras colhidas na penumbra
de outra manhã prenunciada.
Depois retornamos aos jardins,
onde passeiam as senhoras,
as crianças,
os homens encasacados,
com seus chapéus altos e bengalas escuras,
lenços, mangas bordadas em linho,
o silêncio pairando sobre os bancos de pedra,
secando ao sol,
iluminados,
pousados no eterno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário